Dores de garganta, o que será?

Será vírus ou bactéria? O mais certo é ser uma infeção viral, mas numa percentagem menor de casos a culpa é do estreptococo e a criança precisa de antibiótico. Caso contrário, basta tratar os sintomas, dar-lhe muito mimo… e uma colher de mel.

Uma das queixas mais frequentes nas crianças nesta altura do ano, motivo de alguma preocupação para os pais e causa comum de procura de cuidados médicos. “Mãe, dói-me a garganta!” Entre a simples desculpa para não ir à escola, uma inflamação que provoca incómodo ao engolir ou uma infeção que realmente debilita e dá febre alta, cabe aos pais a tarefa de avaliar a situação e tomar as medidas necessárias e apropriadas. Seja um ralhete contra a preguiça escolar, embrulhado num cachecol quentinho e um chá de limão antes de sair de casa, ou um paracetamol e uma mantinha no sofá, à espera de ver como evolui o quadro.

“Nesta altura do ano, quando uma criança se queixa de dor de garganta, pensamos em situações infeciosas”, diz José Guimarães, diretor do serviço de Pediatria do Hospital São Francisco Xavier, esclarecendo que “as situações inflamatórias também dão dor de garganta (por exemplo, uma criança com o nariz sempre obstruído, que respira pela boca e ressona de noite, tem a garganta seca e muito mais inflamada), mas, na maior parte das vezes, são situações infeciosas”.

Estas infeções são sobretudo causadas por vírus e, por isso, não requerem tratamento antibiótico (que só é eficaz no caso de infeção bacteriana). Será apenas necessário tratar os sintomas, se houver mal-estar e febre, e a situação resolve-se em dois ou três dias, em que a criança deve ficar em casa. As infeções provocadas por vírus apresentam alguns aspetos que são caraterísticos e que podem ajudar os pais a avaliar a situação antes de irem a correr para o médico: “Dão sintomas de constipação, ou seja, a criança espirra, tem ranho, tem os olhos lacrimejantes, tem um bocadinho de tosse”, refere o especialista. Neste caso, o melhor é aguardar a evolução natural da infeção. “Os vírus são, de facto, os nossos atuais grandes inimigos, visto que já temos uma situação social suficientemente capaz para que a maior parte das bactérias não nos afete tanto quanto antigamente”, sublinha José Guimarães, referindo que 70 a 80 por cento das amigdalites são causadas por vírus. “As virais são, de longe, as mais frequentes” e os maiores responsáveis são o rinovírus, o coronavírus e o vírus sincicial respiratório. “São grandes causadores de inflamação e dor de garganta, que normalmente é autolimitada (dura dois ou três dias) e acompanhada por sintomas de constipação e tosse”.

Quando a culpa é do estreptococo

Em 20 a 30 por cento dos casos de amigdalite, o cenário muda de figura. Em vez de um vírus, há uma bactéria e esse “pormenor” faz toda a diferença, não só nos sintomas, como, em especial, na abordagem terapêutica.

“O estreptococo é o maior causador de amigdalites bacterianas. Aparece sobretudo nas crianças com mais de três anos e requer tratamento com antibiótico, no sentido de diminuir o incómodo, baixar a febre e mais rapidamente controlar a infeção e não transmitir às outras crianças”.

As amigdalites bacterianas são, geralmente, acompanhadas de febre, alteração do estado geral, dor de garganta e, por vezes, dor de barriga e vómitos. Perante este quadro, e se “a criança estiver francamente afetada com temperaturas elevadas e difíceis de ceder, é aconselhável que os pais façam um telefonema ao médico assistente ao fim de 24/48 horas”. Na observação, o médico vai encontrar as amígdalas aumentadas, inflamadas (vermelhas) e “nas situações mais típicas terão exsudado esbranquiçado”. Atendendo a estes sintomas, a suspeita será de amigdalite causada por estreptococo. Contudo, sublinha José Guimarães, nem todos os casos com estas caraterísticas são causados por aquela bactéria. “Existem alguns vírus que podem dar um aspeto indistinguível. É o caso, por exemplo, do vírus da mononucleose infeciosa (Epstein-Barr)”, conhecida como a doença do beijo. Nestes casos, “o médico só se apercebe disso depois de a criança fazer a medicação e continuar na mesma após 48 horas”.

Dito de outra forma, até para o médico mais experiente pode ser difícil fazer esta distinção e daí a importância de existirem testes rápidos de deteção de antigénios estreptocócicos, que permitem, nas situações de dúvida, ter um resultado em duas ou três horas. “Se for positivo quer dizer que existe ali um estreptococo e logo tem indicação para fazer antibiótico”. Caso contrário, nada de antibiótico.

Os testes permitem reduzir a quantidade de antibióticos prescritos desnecessariamente e, em especial, contribuir para a diminuição das resistências das bactérias. “Com a realização do teste, temos a garantia de que estamos a dar apenas às crianças que têm o estreptococo e não de uma forma indiscriminada”. Contudo, ressalva o pediatra, “sei que não é fácil fazer o teste, já que é preciso ir a um laboratório ou a uma urgência e esta logística, nos tempos que correm, pode tornar-se complicada”. Daí que o teste nem sempre seja utilizado de forma rotineira.