Cólicas do lactente

Muito se tem debatido sobre a origem das chamadas “cólicas do lactente”. Há quem as atribua ao ar que o bebé engole, quem diga que a origem está numa certa reação de intolerância ao leite de vaca (visto serem mais frequentes nas criança alimentadas com substitutos do leite materno), ou quem defenda tratar-se de uma reação natural ao stress do parto e das primeiras semanas de vida. E ainda temos de contar com a imaturidade intestinal que faz com que certos segmentos intestinais se “fechem”, de vez em quando, provocando dilatação nos anteriores e dando dor. Provavelmente, toda a gente tem a sua parte de razão, ou seja, haverá certamente vários mecanismos envolvidos, embora o motivo predominante varie de criança para criança.

Comecemos pelo “problema do ar”. Os bebés engolem ar. É um dado adquirido, esta denominada “aerofagia fisiológica”, ou seja, o facto de os bebés engolirem ar espontaneamente. Quando chucham ou simplesmente abrem a boca, “comem” ar, dado que ainda não têm bem regulados os mecanismos de concertação da respiração e da deglutição.

Por outro lado, se tiverem o nariz tapado na altura em que vão mamar engolirão muito mais ar, pela mesma razão e pelo fato de terem a boca e o nariz “tapados” ao mesmo tempo. Daí a importância de se colocar soro fisiológico nas narinas do bebé alguns minutos antes da mamada, desde a maternidade.

Se o tempo estiver particularmente seco, como acontece no Verão, ou quando se usam aquecedores que secam o ambiente, este problema agrava-se ainda mais. Também é preciso saber que o nariz dos bebés recém-nascidos está quase sempre entupido, e que isto acontece porque a nossa programação genética faz com que estejamos preparados para um ambiente que nada tem a ver com o atual, em termos de temperaturas, humidades e poluição. Assim, o nariz “de há cem mil anos” do bebé pequeno tem de ter um período de adaptação, durante o qual reage da maneira que sabe: produzindo secreções e inflamando-se, o que, num nariz já muito estreito, ainda vai provocar mais obstrução.

O ar, uma vez engolido, vai dilatar o intestino e provocar dor, além de “empurrar” o diafragma e originar soluços.

Quanto à reação ao leite de vaca, tem-se verificado existir em algumas crianças. Este tipo de leite está na base dos leites comerciais substitutos do leite materno (ou seja, do leite “de lata” que se dá aos bebés no primeiro ano de vida) e também na alimentação da maioria das mães. Estas reações, sem geralmente chegarem a ser verdadeiras alergias graves, podem manifestar-se por cólicas.

O intestino funciona em segmentos que, quando tudo está bem, estão coordenados – quando um aperta o seguinte abre e, assim, o conteúdo intestinal avança. São os chamados “movimentos peristálticos”. Estes segmentos intestinais são comandados por nervos. Enquanto este sistema ainda não estiver maduro – e convém não esquecer que o intestino é um dos (poucos) órgãos que praticamente não funciona durante a vida fetal – pode acontecer um segmento contrair-se, mas o seguinte não estar dilatado. Resultado: a meio, dá-se uma dilatação súbita que causa dor. Esta imaturidade intestinal é também uma das causas de cólicas no bebé pequeno.

Finalmente o stresse. O parto é, talvez, um dos momentos mais “fortes” da vida de uma pessoa. Passar-se de um ambiente calmo, quente, relativamente insonorizado, sem ruído, com sons filtrados, ouvindo os batimentos pendulares do coração materno, acompanhado, envolvente, para um ambiente diferente, mais agressivo, menos recetivo, com variações térmicas grandes, luz, som e outros estímulos, com variações fisiológicas muito grandes (expansão dos pulmões, alterações a nível do coração, corte do cordão umbilical, etc.). Cada vez que o bebé abre os olhos, apanha uma autêntica enxurrada de informação e de bytes que podem constituir uma verdadeira overdose. Pior ainda se o ambiente de casa, que deveria ser de contemplação calma e tranquila, está perturbado constantemente pelas visitas, telemóveis, ansiedade e outras coisas semelhantes. Tudo isto constitui um fator de stresse muito grande. Nenhum de nós, provavelmente, aguentaria atualmente essa carga. Os bebés têm que a suportar. E, logicamente, têm de a “descarregar”. O intestino é o órgão-alvo para esta reação, como o será durante toda a vida – as cólicas antes dos exames, antes das entrevistas para um emprego, quando os nossos superiores hierárquicos resolvem “visitar-nos” ou quando resolvemos declarar-nos à nossa amada (ou amado) são bem conhecidas de todos nós. Daí o choro, a necessidade de consolo, de mimo, de envolvência, e daí também as cólicas, verdadeira reação psicossomática, provavelmente uma das primeiras deste tipo, das muitas que teremos pela vida fora.

OBSTIPAÇÃO

Uma das queixas mais frequentes dos pais de bebés no primeiro semestre de vida (mas não só) é a “prisão de ventre”. Os leites comerciais, mais uma vez, são responsabilizados por esta situação, embora se registem alguns casos de bebés amamentados que também têm obstipação.

É difícil definir o que é obstipação, para além daqueles casos que são tão evidentes que não deixam dúvidas a ninguém: dias e dias “sem fazer” ou fezes duras, tão duras que podem provocar lacerações.

Existe um padrão familiar de “trânsito intestinal”. Há famílias de pessoas obstipadas, situação esta muitas vezes agravada pelo tipo de dieta atual, pobre em fibras e exagerada em elementos (alimentos!) ultra-refinados. Há outras onde isto raramente ocorre.

Nos bebés pequenos, sobretudo nos primeiros meses, até começarem a comer purés de legumes, a obstipação é muito frequente, causando mal-estar e cólicas.

Há várias maneiras de tentar minimizar a obstipação. Para além dos diversos medicamentos que poderão ser receitados pelo médico assistente, ainda se pode fazer uso da sonda de gases, um tubo de borracha que se insere no ânus da criança e que permite expelir os gases e ajudar a sair as fezes. É geralmente eficaz e não tem tanto risco de traumatismo como o uso do termómetro ou as cânulas rígidas, dado que é mais flexível. Os supositórios de glicerina e os microclisteres poderão ser usados se a criança já está há vários dias sem defecar e com mal-estar evidente.

É preciso algum cuidado com os laxantes, dado que podem provocar irritação intestinal, com períodos alternados de fezes diarreicas e obstipação – não devem ser utilizados sem ser por indicação médica.

É também conveniente que os pais vão tomando algumas notas dos ritmos de dejeções do bebé, da consistência e cor das fezes e do que fizeram em termos de intervenção. Este “apanhado” ajuda muito o médico na tomada de decisão, porque uma coisa é uma criança que faz só de dois em dois dias, mas com consistência mole, outra é uma que tem as fezes duras. Por outro lado, é bom saber que a cor depende muito do tempo de estadia dentro do intestino – quanto mais tempo aí estiver (o que acontece quando as crianças são obstipadas) mais esverdeado ficará.

Em qualquer dos casos, mas muito mais quando existe uma história familiar de obstipação, é essencial habituar a criança a comer alimentos ricos em fibra, se necessário adicionando fibra natural (farelo) à dieta, e cultivando também hábitos regulares, certos, de ir ao bacio ou à retrete. A obstipação na criança e no adulto tende a tornar-se um problema demasiado comum e com custos pessoais e sociais elevados.